segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ricardo Izecson dos Santos Leite




Favela, pobreza e distância de casa nos primeiros passos. A história delicada, mas corriqueira, da maioria dos jogadores convocados por Dunga para a Copa do Mundo da África do Sul não é compartilhada por Kaká, a maior estrela da companhia. O pai, Bosco Izacson, fez o papel normalmente desempenhado pelos jogadores. Saiu de uma família pobre, trabalhou, suou e propiciou ao filho famoso e seus irmãos um padrão de vida confortável na infância.

O jogador do Real Madrid nasceu em Brasília, passou por Cuiabá, mas fixou-se em São Paulo. Quase vizinho ao Morumbi, não tinha dificuldade para ir aos treinos. E ainda tinha a companhia da mãe Simone, uma cinegrafista bem amadora.

- A cada gol meu a imagem tremia porque ela pulava para comemorar. Eu me destacava naquela época, mas aos poucos aperfeiçoei o meu dom – divertiu-se Kaká.

Morador da área, o menino abraçou os companheiros mais humildes, que moravam no alojamento do Morumbi. Nada de rejeição. Interação total entre adolescentes de realidades opostas.



- Não sofri qualquer tipo de preconceito por vir de classe média. Eu levava os colegas para a minha casa e isso fez com que as pessoas me tratassem com respeito. Meu sonho de jogar futebol falou mais alto do que qualquer tipo de classe social – afirmou o jogador


Mas nem por isso o apoiador de 28 anos passou incólume às barreiras da vida. Só que, como costuma dizer, nada é por acaso. Em um fim de semana prolongado em Caldas Novas-GO sofreu com um tombo traiçoeira em um escorrega. Mais do que um corte na cabeça, a batida no fundo da piscina colocou em dúvida a continuidade da sua carreira.


Fui ao hospital reclamando de dores no pescoço e não deu nada. Então, voltei a treinar no São Paulo, mas continuou doendo muito. Voltei ao médico e ele disse: “Tenho uma notícia forte. Você vai ter que conviver com uma fratura na sexta vértebra”. Perguntei se poderia jogar futebol. Ele avisou que não dava para garantir. Fiquei dois meses com colar cervical – disse.


Tombo transforma-se na primeira chance


Entretanto, surpreendentemente, a angústia transformou-se no início da vitoriosa carreira. Em janeiro de 2001, o técnico Vadão solicitou que alguns juniores fossem promovidos para compor o elenco. O treinador do time sub-20 indicou um reserva que recuperava-se de lesão: Kaká.


- E aí logo depois teve aquele jogo (São Paulo 2 a 1 Botafogo, com dois gols dele) – disse.

A partida também está na memória da avó materna, Vera. Ela deu a primeira bola ao neto na infância e esteve no Morumbi para assistir à partida.


Tinha um senhor ao meu lado que ficou bravo quando o Kaká entrou e falou: “Uma criança em campo? Estamos perdendo (1 a 0 para o Botafogo) e colocam uma criança?”. Dei só uma olhada. Depois do primeiro gol, falei: “Mas que criança levada!”. Quinze minutos depois veio o outro gol: “Que criança! Queria essa para mim”. Depois o senhor me abraçou e pediu desculpa – disse a avó.


O primeiro passo era a realização do objetivo fixo de ser jogador. Para isso, Kaká conta que até se dedicava aos estudos com mais afinco

- Esse era o acordo com meus pais. E também, se eu fosse reprovado ou ficasse em recuperação, perderia minha bolsa na escola.


Só que o episódio da fratura na vértebra não foi o único que colocou um ponto de interrogação no futuro do menino Ricardo. Até os 15 anos ele sofria com um atraso na formação óssea. O problema o fez até mudar de posição e perder a vaga no time.

- Para um garoto faz muita diferença. Os treinadores que tive diziam que eu era pequeno e não aguentaria muita pancada. Um deles falou que não tinha mais como jogar como atacante e me recuou para criar jogadas. Só que isso demorou, comecei a ser cortado. Sempre por questão física e não técnica. Foi uma fase muito importante da minha vida. Com 15, 16 anos tive a época do “estirão” e o São Paulo fez trabalho comigo de natação, suplementos, musculação... Agradeço muito ao que o clube fez comigo – disse.


Mas os sonhos eram bem mais modestos do que as conquistas que alcançou até o momento: queria jogar no time profissional do São Paulo e disputar uma partida pela seleção brasileira. Foi além, bem além. Do Morumbi passou ao gigante Milan, onde ficou por seis anos e conquistou a Liga dos Campeões de 2007, o Mundial Interclubes do mesmo ano e um Campeonato Italiano. Individualmente colocou na estante o título de melhor do mundo em 2007. Na seleção brasileira tem duas Copa das Confederações (2005 e 2009) e o título mundial de 2002.


Na última temporada trocou a Itália pela Espanha. O destino: o Real Madrid. As cifras beiraram os R$ 180 milhões.

- Ele ama o futebol, que é a vida dele, e não faz nada por interesse financeiro. Ele ama o que faz, o clube que joga. O Kaká não sairia do Milan se não fosse necessário, mas foi muito feliz para o Real porque é o clube que almejava – disse avó Laura.

Menino família

A vida de boleiro também não se encaixa no estereótipo. Noitadas? Só para jantar, garante a avó. Mulheres? Só duas namoradas – uma delas a esposa atual, Caroline. Álcool? Sem chance. Kaká vive em um mundo quase singular dentro da rede de polêmicas do futebol.

- O respeito é fundamental. Aceito as escolhas e gosto que façam o mesmo com as minhas. Tenho os meus valores, minhas convicções e isso é inegociável. Muitas vezes ocorrem brincadeiras, mas sempre com respeito – disse.

Aluno aplicado, profissional exemplar, marido dedicado. Dona Vera concorda que é difícil encontrar adjetivos desabonadores ao camisa 10 da seleção brasileira.


- O homem mais bonito que já vi. Vai perguntar isso para mim? Além da beleza física, a interior é muito linda. Um meninoiInteligente, educado, fino... Do Kaká nunca se houve falar nada de ruim.

Kaká terá a terceira Copa do Mundo pela frente. Na primeira, era uma jovem promessa. Disputou cinco minutos da partida contra a Costa Rica, ficou exultante e terminou a decisão contra a Alemanha à beira do campo, à espera de uma substituição que o apito final não permitiu. Nada que impedisse a felicidade pelo título mundial.

- Foram cinco minutos que marcaram muito a minha vida. Por ter jogado nessa Copa e também por fazer parte dos 23 jogadores. Sei a importância do grupo. Por isso me sinto vencedor naquela Copa. Quando você tem quem cria problema atrapalha bastante o grupo que deseja ser campeão.


Em 2006, a frustração. O início foi fulgurante com o golaço na vitória por 1 a 0 sobre a Croácia. Mas o quarteto mágico, que tinha ainda Ronaldinho Gaúcho, Adriano e Ronaldo, fez uma Copa opaca. A sombra da falta de comprometimento, que excluiu Kaká, derrubou a equipe nas quartas de final contra a França.

Mas há uma nova chance de final feliz. O xodó da dona Vera é o principal nome da seleção que está na África do Sul. Recupera-se de uma série de lesões que o atrapalhou na primeira temporada na Espanha. Recebeu críticas contundentes, mas colheu motivação suficiente para dar a volta por cima no torneio mais importante do futebol.

- Estou me preparando de forma especial para esta Copa e os meus companheiros também – disse Kaká.

O resultado do esforço será conferido a partir do dia 15 de junho, data da estreia brasileira na Copa contra a Coreia do Norte, em Joanesburgo.








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